Mas outro dia, quando ela ainda comia com a minha ajuda (ou da babá Cristina, ou do papai), encasquetou de querer arroz.
- Arroz! Arrozinho!
Aprendeu tudo no diminutivo, uma fofura. Dei o arroz. Pediu mais.
- A mamãe agora vai misturar um pouquinho de feijão, e...
Parecia que eu estava oferecendo pedras. Rejeitou veementemente, e também aos legumes, e a tudo que não fosse arroz ou arrozinho. Fui distraindo e dando o arroz, mas avisando que, depois, teria que comer também as outras coisas. Doce ilusão.
Quando acabou o arroz, queria mais arroz e não aceitava outra coisa nem por decreto. Mantive a calma aparente, repito, calma aparente. Conversei e fui levando, até que chegou ao ponto de “devolver” um tantinho de carne que eu tinha colocado na sua boca (obviamente, com o consentimento dela).
Mantive a calma aparente, repito, calma a-pa-ren-te, mas rapidamente expliquei que aquilo não podia e a retirei da cadeirinha.
- A mamãe está entendendo que você está sem fome, está bem, então o almoço acabou.
Mesmo que eu tenha dito isso com tranqüilidade e até forçando certa doçura na voz, embora sem jamais sorrir ou esboçar satisfação alguma (afinal, não aprovo o que ela fez e não quero que se torne um hábito), o fato de ter sido “interrompida” num jogo onde ela não aceitava regras – e que, portanto, era apenas um exercício/teste de limites – fez com que ela ficasse extremamente insatisfeita. Para dizer o mínimo.
Claro que, depois de alguns momentos de fúria parecendo que me odiava, passou o trauma e ela já estava brincando alegremente. Também eu tratei de não fazer drama; não acho que se deva ficar “esticando” essas horas de mal-estar ou reprimindo a criança.
Memória emocional
E mais: é surpreendente como os bebês apreendem as coisas rapidamente, e são capazes de se lembrar delas mais tarde. Normalmente, subestimamos neles essa capacidade de aprendizado emocional, porque parecem estar “resistindo” a entender certas normas, ou simplesmente se mostram distraídos e impermeáveis à nossa conversa. Não estão. Na verdade, eles ficam um pouco nervosos – ninguém gosta de ser contrariado! - e procuram subterfúgios. A Lara tem mania de “mudar de assunto” quando estou chamando sua atenção.
- Avião! Avião! Pé! Bola! Hipoglós! Bumbum! Quer biscoito.
Desanda a falar e aponta para todos os lados. Fica uma conversa de doido, porque ela segue dizendo suas palavras-desvio, e eu sigo explicando que não deve fazer assim, melhor é agir de outra maneira, etc.
Qual não é minha surpresa quando, numa nova situação, ela ameaça a mesma travessura, mas basta um olhar e já sai dizendo umas palavras do meu discurso, mostrando que ouviu e entendeu direitinho. Isso não a impede de seguir fazendo o “errado”, claro, mas vai incorporando o processo, aos poucos, e acaba deixando de lado o comportamento que já comprovou não surtir efeito.
Como o repertório é vasto, não demora a encontrar novas traquinagens para testar limites e ver se “cola”. Como diz minha mãe: educar não é difícil, mas tem que ter muita criatividade. Ô!